quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Ah, Hugo!

A vida nos prega preças e reserva surpresas, sobre isso já escrevi tantas vezes. Mas sabe quando a surpresa é tanta - e tão assustadora e ao mesmo tempo gostosa - que te deixa rindo sozinho por um tempo? Pois é. Imagine, então, o que é reencontrar o primeiro melhor amigo, anos depois, e saber que ele não se esqueceu de você em duas décadas!

Os primeiros nove anos da minha vida eu passei em Laranjeiras, no município da Serra. Estudava na Escola Pequeno Príncipe. Lembro com clareza dos muros altos, chapiscados, da quadra de cimento grosso, da árvore que havia em frente à janela da minha sala de aula.

Fui alfabetizado pela "tia Ana", uma tia magrinha e risonha. Lembro-me da voz anasalada dela, contando-nos das aventuras da "Turma da Abelhinha" - o método de alfabetização vigente naquele início dos anos 90. Está na minha recordação a imagem do varal de roupas, em cima do quadro negro, com as gravuras de Abelhinha, Escovinha, Índio, Óculos, , Ursinho, Vagalume, Dália, Lobo, Minhoca,Pipa, Gato, Rato, Torre, Bule, Caracol, e tantos outros personagens que, a cada semana, chegavam para me ensinar a ler e a escrever. 

Na minha sala havia muitos colegas, e apesar da pouca idade, desde aquela época eu decorava nomes e sobrenomes. Havia a Juliana Neri, a Larissa Lyrio, a Monia Chieppe, O Raphael Schneider, o Rafael Batista... e o Hugo. O Hugo era meu melhor amigo. Daqueles que lanchava junto, que brincava no recreio, que dividia segredos. Hugo foi o único amigo que levei à minha casa para brincar num fim de semana - quando criança, eu vivia doente e, por isso, não era dado às brincadeiras na rua.

São claras a imagens que tenho das vezes em que eu e meu amigo lanchávamos, sentados no primeiro degrau da escada da escola. Éramos os mais altos da turma (sim, eu já fui alto!) e, por isso, os últimos da fila na hora do recreio. Com o Hugo eu fazia planos impossíveis, ria de bobeiras - a ponto de dar aquelas gargalhadas gostosas, da cabeça virar para trás e a barriga doer. 

Eu queria ser como o Hugo. Ele era baixinho, gordinho e tinha um cabelo caído na testa. Eu, magro com cabelo sempre penteado de lado. Eu achava que ser cheinho era vantagem (aí veio Deus, me fez tomar corticoide por anos e até hoje luto com a balança! Depois dizem que desejos de crianças não são ouvidos tsc tsc tsc). 

Quando Hugo foi na minha casa - o sobrado rosa que já descrevi aqui certa vez -, eu tive vergonha porque parte da fachada não tinha reboco e porque o muro era feio. Eu queria ter uma casa bonita para apresentar ao meu amigo. Passamos uma tarde brincando no quintal e, de sobremesa, Vovó Santa, sempre presente, nos serviu chantilly com raspas de limão. A gente não gostou rsrsrs

Mas, onde você quer chegar com tanto trololó, Eduardo? Bem, o Hugo reapareceu. De bobeira no Facebook, ontem resolvi jogar os nomes e sobrenomes dos coleguinhas da alfabetização. Achei a Larissa Lyrio, a Monia Chieppe... e o Hugo. Caramba! A infância voltou como um filme à minha cabeça - e eu acho que ele não mudou na-di-nha nesses quase 20 anos. A última vez que eu o havia visto foi em 1994, quando fui expulso da Escola Pequeno Príncipe por mal comportamento. 


Hugo respondeu minha mensagem no Facebook. Caramba, é ele mesmo! Começamos a teclar e, gente, meu antigo-melhor-amigo lembra de mim. Não só se lembra, como guarda até hoje a agenda que tinha na época, onde está o endereço da minha casa de Laranjeiras. O Hugo se lembrou da tarde que passamos brincando na minha casa. Em vez da fachada malfeita, se recordou de ter tomado suco de melancia pela primeira vez na vida (eu não me lembrava disso!). 

Meu antigo-melhor-amigo se lembrou que eu comia comida sem sal - caramba, às vezes até eu me esqueço desse capítulo da minha infância! - e de tantas brincadeiras daquela época boa. Disse que, já na primeira série, meus textos eram bons. Pausa para meu deboche costumeiro: desde quando "Eva viu a uva" e "A abelhinha olhou a escovinha" podem ser considerados textos? E bons? Ah, Hugo...

Ri sozinho. Me lembrei de momentos bons, de histórias que o tempo havia apagado da minha lembrança. E, mesmo que hoje Hugo não seja o meu melhor amigo, que a vida tenha me apresentado tantas outras pessoas nos últimos 19 anos, e que nada mais em comum haja entre nós, valeu a pena voltar a ser criança de novo. Uma lembrança com sabor de chantilly, raspas de limão, e frio na barriga com medo da "malvada" tia Bernadeth, a diretora da escola que interrompeu nossa amizade. É... 1994 foi "logo ali"...