quarta-feira, 27 de março de 2013

Quem nunca?

Qual de nós nunca guardou no peito um choro não chorado? Seja o choro da dor do dedinho do pé topado na quina do sofá, sejam as lágrimas de um amor mal acabado? Qual de nós nunca calou segredos, daqueles que nem ao travesseiro se confessa, ou que não perdeu a coragem de dizer a verdade quando queria  berrá-la?

Quem aí, por esse mundão que Deus fez, não esqueceu a letra da música preferida e cantarolou baixinho versos desconexos? Duvideodó que inexista sujeito que nunca amou errado - ou demais, ou de menos - mas que permaneceu inerte porque "ah, antes isso a ficar sozinho". Qual de nós nunca sonhou com o amor para sempre e perdeu uns meses (ou anos até) esperando-o chegar embalado de presente?

Quem, digam-me vocês, nunca encontrou alguém na rua, e esse alguém puxou conversa mas sabe-se lá quem é esse sujeito? O que fazer? Perguntar " - Ah, você é o primo de Nininha?" jogando na sorte ou insistir num assunto superficial para forçar a memória a reagir? Ah, entendidos da vida, digam-me que nunca passaram por isso...

Qual de nós jamais acordou, numa noite fria de inverno, com vontade de fazer xixi mas cedeu à maciez do edredon e, quietinho ficou até adormecer novamente? Me apontem uma pessoa que nunca se envergonhou da roupa suada em uma tarde escaldante de um verão qualquer - aquelas malditas "pizzas" debaixo do braço. Inferno! 

Quem nunca pensou em voltar com aquele ex-namorado? Que não se emocionou ao reler agendas velhas dos tempos de escola? Que nunca preencheu aqueles formulários pueris com perguntas "muito adultas" do tipo "- Você é BV?". Qual de nós nunca se pegou sorrindo ao relembrar do passado - daquela música gostosa que tocou no verão, daquele primo de longe que era o mais querido, da turma da infância que tocava a campainha do vizinho e saía correndo. Quem nunca?

Mas se você, meu caro visitante, se enquadrar em mais que sete dessas situações por nunca tê-las sentido, não se preocupe. Clique naquele xis lá no canto superior direito da página. Ainda é tempo de tentar. Porque talvez, até aqui, você não tenha vivido.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Não me deixem ser o último!

"O único pesar é que o meu caderno de endereços de amigos está emagrecendo. O passar do tempo tem isso, você vai perdendo muita gente". A frase encerra uma entrevista do octogenário Manoel Carlos, um dos mais notáveis autores da TV Globo, anunciando sua próxima novela, a estrear em janeiro de 2014, e comentando as desvantagens do passar dos anos. Acabo de lê-la.

Estou cansado. Tive um dia de muitas pautas e, confesso a vocês, caros leitores, essas duas primeiras semanas pós-férias estão bastante puxadas. Cheguei em casa com olhos cansados, pés doendo e uma vontade absurda de me jogar na cama e abraçar o travesseiro. Mas Manoel Carlos conseguiu me despertar o desejo de escrever (além das três matérias de hoje...)

Mas escrever o que? Simples: não me deixem ser o último. Não sou pessoa que lida bem com a dor, com as perdas. Se vou a uma festa, ou a um encontro de amigos, tenho duas alternativas: sair com um breve abraço, evitando estardalhaço, ou ser o último a sair. Essa coisa de "tchau", "adeus", "boa viagem", mexe comigo. Lá no fundo, sempre penso "- Quando vai ser a próxima?".

Pensar na finitude da vida - sobretudo para mim, tão próximo da realidade, dores e dificuldades da Vovó Santa, do alto de seus 83 anos - é doloroso. Muitos primos da vovó já se foram. Alguns cheguei a conhecer, outros só sei das histórias da juventude. Álvaro, Aroldo, Anir, Lalá, Edith... nomes que vovó pronuncia com desenvoltura, com aquele gostinho de lembrança de uma época que foi boa - o que, se não foi, ao menos foi melhor que a atual.

De amigos, vovó pouco fala. Acho que ter seis filhos - o primeiro deles, aos 17 anos - e não ter estudado durante muitos anos contribuiu para uma vida sem esses laços. Mas vez ou outra, volta o relato dos tempos de menina, em que Vovó Santa caminhava de braços dados com Dona Hilária Rossi, hoje figura importante de Colatina, voltando da aula de datilografia que fizeram. Refaço a cena no meu imaginário... é simples, mas doce. Vovó me conta com ternura.

Ver os amigos partirem, ou simplesmente se distanciarem, não deve ser fácil. Como Maneco, o autor da Globo, quantos nomes o caderno de endereços da vovó já perdeu? Não sei. Peço a Deus, contudo, que me deixe com meu caderninho em paz. Em dia. Não cheio, porque não sou dos mais dados a inúmeros amigos (perdão, rei Roberto Carlos, não tenho sua ambição...), mas com as folhas daqueles que amo preservadas, intactas.

E, caso o destino decida desatualizar meu endereço e meus contatos na agenda dos meus amigos, daqui um dia, dois, semanas, anos até, quero que se lembrem de mim como um cara que os amou. Não um Eduardo linear e fácil de lidar, nem o Eduardo mais animado para festas de raiar o dia, nada disso. Não sou esse personagem 100% gente boa, eu sei bem. 

Mas, caros amigos, não se esqueçam de que, de um jeito torto, meio mandão, meio debochado, talvez irônico em demasia ou até mesmo carente demais, eu caprichei na letra ao incluí-los no meu caderno. E as folhas, acreditem, guardei na alma para nunca perder. Por isso, não se mudem para onde eu não possa estar junto. Não me deixem ser o último.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Francisco, o humano

Dizem que sobre religião e futebol não se discute, mas aqui vou eu. A tarde desta quarta-feira, 13 de março de 2013, o mundo parou para conhecer a face de um novo Papa. Católicos, evangélicos, espíritas... todos, por um motivo ou outro, tinham um mínimo de curiosidade quanto ao sucessor de Bento XVI, o Papa Emérito que renunciou ao trono de São Pedro. Eram pouco mais de 17 horas quando, da sacada da Basílica, no coração do Vaticano, anunciou-se Francisco.

O novo Papa, nascido na Argentina com o nome de Jorge, assume uma instituição embaçada por densas névoas. Denúncias de corrupção, guerra de poder, pedofilia e até uma espécie de "gueto gay" nos bastidores do catolicismo se transformaram numa espécie de fumaça negra que não cessa. Há quem diga que Bento sucumbiu a isso e, já idoso, entregou o Anel do Pescador por já não ter forças para combater o mal entranhado em seu rebanho. É suposição.

Mas, deixando a história e confabulações de lado, voltemos a Francisco. O homem que, segundo já conta o noticiário, cozinha a própria comida, anda de ônibus e ama os desvalidos é, acima de Papa... homem. Homem de carne e osso. Homem que tem medo. Homem que tem sonhos. Como qualquer outro, tem indisposições, tem hormônios, provavelmente tenha manias. Deve ter seus momentos de raiva, de "saco cheio", de preferir o silêncio ao badalar dos sinos.

O que será que se passou na cabeça de Jorge, o homem imperfeito, naquele meio tempo entre o expelir da fumaça branca na chaminé da Capela Sistina e sua revelação ao mundo, já rebatizado? "- Putz, e agora?". "- Senhor, dai-me forças". "- Será que dou conta de tudo isso?". Não me surpreenderia se qualquer uma dessas opções fosse a real. Talvez até seja. 

Fato é que o Papa não é Deus. Ele é, pela tradição católica, o elo entre o Todo-Poderoso e a humanidade; uma espécie de pai para a nação que comunga da paixão, morte e ressurreição de Cristo. E um elo, sabe-se, pode ser forte e duradouro como foi o beato João Paulo II, com seu carisma incontestável, ou frágil e dado à ruptura como foi Bento XVI, o homem-Papa que, com sua renúncia, alertou à humanidade de que ser o chefe da Igreja Católica não significa ser imaterial. 

Aliás, quero fazer um parêntese: Bento XVI nunca me foi muito caro. Não tinha o semblante de "bom senhor" que meu imaginário exige para um Papa, nem conseguiu, em seu pontificado, fazer algo tão grandioso que me chamasse a atenção ou revolvesse minha fé (bastante abalada, confesso). Mas sua renúncia me despertou ternura. Ali, ao admitir que estava cansado, o emérito mandatário católico cresceu na minha admiração. Saiu para a clausura com dignidade.

Agora Francisco tem a tarefa de recolher o rebanho de Pedro e dar a ele um rumo. Começou bem, ao curvar-se perante a multidão e, antes mesmo de abençoar os fiéis, pedir a eles, ao seu povo, bênção. Aos meus olhos, este foi mais um sinal claro e evidente de humanização da igreja. Não mais toda-poderosa. Não mais onipresente, onipotente e onisciente. Agora uma igreja santa e pecadora, como diz certa liturgia, em busca da remissão de seus pecados.

***

Só pra não deixar passar em branco o item "futebol" nessa discussão papal: talvez o maior pecado de Francisco tenha sido nascer argentino. Pai, perdoa-o!