Vô,
Eu queria ter lhe dito essas palavras enquanto era tempo de ver sua reação. Queria ter tido a coragem de ter te dado um abraço mais apertado na sua festa de 80 anos, que parece que foi ontem, e agora me dá um nó na garganta o fato de não ter conseguido lhe dizer que, apesar de não ser meu avô de sangue, o senhor foi o avô que eu tive.
Essa sensação de despedida me trouxe à memória, durante toda a última noite, lembranças que já haviam sido deixadas lá atrás. Como as vezes em que eu e Loreny chegávamos à sua casa, na Fazenda Vitali, logo após o almoço, e tínhamos que falar baixo porque o senhor estava tirando "o soninho da tarde". Enquanto isso, enchíamos a boca com os bolos e tortas que a vovó Faninha fazia na cozinha.
O senhor nunca foi de muitas palavras. Era um avô caladão, sistemático, mas tinha um olhar doce e acolhedor. Quantas vezes descemos a rampa do CEFETES, no auge de nossa adolescência, e víamos o senhor parado, ao lado do carro, esperando para nos levar em casa? E, por respeito ao senhor, tentávamos não falar alto e controlávamos a euforia no trajeto. O senhor só olhava pelo retrovisor e isso bastava.
Meu coração fica acelerado quando lembro de uma das vezes em que mais me senti protegido - ou seria melhor dizer "defendido"? - na vida. Saíamos eu, Loreny e Valeska da escola, e um grupo de veteranos (se não me falha a memória) disse alguma gracinha sobre nós. Não cheguei a ouvir qual foi, mas o senhor partiu para cima deles como um leão defendendo a ninhada, pôs o dedo em riste e deu um esporro que os deixou calados. Valeska ficou vermelha, Loreny calada, e eu acho que meus olhos por pouco não saltaram do rosto, de tão arregalado que fiquei.
No seu último aniversário eu estava lá. O "neto postiço", como dizem alguns. E, é verdade, acho que virei seu neto mesmo. Seu e da "vovó Farofa". Me apeguei aos seus filhos (ganhei um bocado de tios, hein?!) e tenho por suas netas especial carinho. Valeska, o senhor sabia, era, é, e sempre será minha irmã de alma e de coração.
Neste momento, vô, o senhor descansa. A batalha foi curta, e eu tenho certeza que doeu muito. Mas ontem, quando o vi pela última vez, o senhor era o mesmo vovô de sempre. Mesmo na cama, com toda dificuldade, dizia que estava "tudo bem", e parecia não querer incomodar as pessoas que o senhor tanto amava.
Eu não tive coragem de ir abraçá-lo. Nem sequer me anunciei ali no quarto. Preferi ficar quietinho, no canto, rezando Ave-Marias e Salve-Rainhas. Sabe, vô, eu tenho especial carinho por Nossa Senhora. E tenho certeza que ela, que é nossa Mamãe do Céu, hoje acolhe o senhor com especial alegria no céu. O senhor cumpriu sua missão aqui. Ensinou valores aos seus filhos, aos netos, e até aos "agregados". E valores, e amor, não se ensina com muitas palavras: se ensina com exemplo.
Obrigado, vovô Aurecyl Dalla Bernardina, por ter sido meu avô. O avô que eu pude conhecer.
Sentirei saudades.