O começo é como receita de bolo: tenho tantos anos, tal altura, gosto de tal coisa, ouço tais músicas, valorizo isso e desaprovo aquilo em alguém. Essa fórmula às vezes é acrescida de opiniões sobre o mundo e de lembranças que deram (e que não deram) certo, mas para que a conversa continue, para que haja o desejo de um "boa noite" seguido de um "bom dia", ou vice-versa, é preciso frio na barriga. E é isso que está fora do controle!
Ah, meu caro leitor, talvez seja muito difícil determinar o que faz com que as borboletas revoem no estômago e o coração acelere. Pode ser a afinidade nas músicas, o propósito de futuro, um sorriso bonito ou, simplesmente, aquela risada roubada e boba que surge sem um porque exato. E quando isso acontece é infalível: você já está pensando no depois, e no depois, e no depois.
Autobiografia à parte, não costumo acreditar em relações onde não haja uma mínima fagulha de expectativa. De pé no chão já bastam as contas que caem todo mês no banco e os afazeres profissionais - sobre esses dois pontos, de fato, não cabem especulações ou fantasias. Penso que quando uma pessoa se dispõe a estar com outra, é preciso, sim, que haja sintonia, observação, o mínimo de curiosidade para descobrir a outra parte.
Planos a dois não costumam ser fáceis, é verdade. Um quer dormir, outro quer sair; um prefere ficar em casa, o outro tem um mundo a descobrir; um está carente, esperando por abraços, o outro acha que bom mesmo é estar com os amigos para espantar a melancolia. Quem nunca viveu uma dessas situações, não é?! E, diante dessas diferenças, quem nunca pensou em jogar tudo pra cima, fechar a porta sem olhar para trás e recuperar a paz que só se tem estando consigo próprio?
Um pouquinho de divergência faz bem, e isso talvez eu tenha aprendido com o tempo. Mas quando é demais, ou quando não se nota o mínimo esforço para atenuá-las, abrem-se abismos difíceis de serem saltados. Aí bate o medo: estou no caminho certo? Ou, melhor: é isso mesmo que eu quero? Ter paz individualmente, conjugando os verbos sempre na primeira pessoa do singular, é uma via segura, sem sombra de dúvida. Esse caminho onde só existe o "eu" é menos cheio de curvas, de altos e baixos, porque você anda, corre e pára sem precisar consultar ninguém.
Mas ainda sou daqueles que acreditam em subidas e descidas com companhia do lado, com passos largos e curtos, com corridinhas e períodos de descanso que se tornam prazerosos se você tem alguém pra te incentivar.
Você pode até não lembrar qual foi a palavra que te despertou a vontade de ter uma companhia, nem mesmo qual das perguntas daquela receita de bolo lá de cima te fez sorrir e querer continuar o papo. Mas de uma coisa eu estou certo: se há na sua vida algum encantamento, algo que possa tornar os fardos menos pesados, agarre-o. Assim a caminhada será mais agradável.