Quando menina, Marieta queria ser grande. Brincava com as bonecas Barbie da prima Nathália imaginando que aquela beleza loura e magra um dia seria sua. Vislumbrava, em seus devaneios inocentes, aquele carro cor de rosa, o guarda-roupa cheio de penduricalhos, um mundo perfeito e um namorado tal qual Ken, com ombros largos, braços fortes e sorriso branco Colgate.
Marieta não queria ir à escola; queria ser executiva de uma grande empresa, comandar um exército de funcionários, ter sua própria mesa com livros, anotações, grampeador e cadeira giratória. Na falta de idade para ter tudo isso, ia à sala de aula imaginando-se numa grande companhia - e, vez ou outra, tratava os coleguinhas como se seus vassalos fossem.
Na adolescência, não quis conhecer rapazes. Recusou-se a ir a boates, a beber com as amigas aos 13 anos, a usar meião branco até os joelhos, a cachear os longos fios dourados com babyliss, quando isso era moda. Tudo isso iria torná-la igual às demais. Mas Marieta sabia - embora ninguém a tenha dito isso - que era singular, única. Um exemplo a ser notado pelos garotos que, àquela altura da vida, cobiçavam as meninas muito mais por suas curvas que por suas qualidades intelectuais.
Chegado o Ensino Médio, e com ele a ebulição hormonal, Marieta, por fim, apaixonou-se. Bastava sentir o perfume de Paulo, o garoto mais bonito e popular da turma, e seu coração acelerava. Admirava o jeito com que ele assoprava a franja que teimava em cair sobre os olhos, estremecia ao ver aquele par de coxas fortes em atividade, no campo de futebol, derretia-se com as idiotices que ele dizia. Afinal, tinham 17 anos. Ele assumia a fama de Don Juan, ela, sempre tão perfeita, preferia ser estudiosa e não admitia seus sonhos.
Os anos se passaram e Marieta continuou olhando para si. Para seu umbigo, para seus resultados, para suas conquistas. Era ela. Ela e ela. E, na mente, a esperança de que aquele rapaz forte, de braços torneados, ombros largos, sorriso branco, cabelo ligeiramente despenteado, voz rouca, unhas bem cortadas, pelos aparados, desenvolto em inglês, espanhol, francês, com carimbos no passaporte e disposição para ouvi-la falar da vida e do quanto lutou para ser o que é, chegasse.
O Ken não apareceu. Marieta amadureceu. Chegou à casa dos 30 sozinha. Cheia de conquistas profissionais. Uma infinidade de diplomas e certificados na parede. Sabia falar a língua dos latinos e a dos norte-americanos. Era bonita, embora não tivesse o corpo escultural das dançarinas do Faustão. Mas, ora, ela tinha atributos encantadores. "Melhor sozinha do que com qualquer um", resmungava com sua própria consciência, quando esta lhe apontava a solidão como preço pago.
Numa bela tarde de outono, com certa amargura no coração e nó na garganta, ela sentou-se à sombra de uma árvore, numa praça qualquer, de uma cidade não muito distante da nossa. Chorou em público, pela primeira vez. Esqueceu-se, por alguns minutos, da Marieta construída ao longo de mais de três décadas. Ali estava apenas uma mulher. Frágil, insegura, com medo. Medo dela. Do que não conheceu. Triste pelo que não viveu. As lágrimas rolaram, molharam o chão, secaram.
Marieta levantou-se. Respirou fundo, ergueu a cabeça. "Chega!", disse para si mesma. Apanhou, na bolsa que repousava ao seu lado, um bloco, e nele começou a enumerar tudo o que passou a vida somando ao seu Ken imaginário. Delicadeza, mas não feminilidade, bom gosto para música, roupas de boa procedência, perfume marcante, pés bonitos, dedos das mãos longos, olhar expressivo, conteúdo para mais de duas horas ininterruptas de conversa, bom humor matinal, romantismo sem excesso ou dependência.
Estava de bom tamanho. Em algum lugar esse homem deveria estar. Marieta levantou-se, e novamente convencida de que estava no rumo certo, seguiu seu rumo. Sozinha.
Esperando o próximo conto... Muito bom!!! ;)
ResponderExcluirExistem muitas Marietas por aí hoje, de todas as idades, sozinhas, mas o motivo não são exigências estéticas, econômicas ou culturais,são pela falta de alguns ingredientes básicos, matérias primas do produto "homem". O produto tem sido oferecido no mercado em sua maioria sem caráter fiel, sem companheirismo, sem níveis de afetividade e flexibilidade aceitáveis. As Marietas de hoje trabalham, estudam, são donas dos próprios narizes, não precisam buscar nos homens bases de sobrevivência. Elas procuram simplesmente , por alguém que saiba dividir um momento de estresse do trabalho, apoiar nas decisões importantes a tomar, alguém que tenha um ombro para que elas se consolem ou que divida com elas uma boa taça de champanhe nas suas conquistas, tudo isso, sem que elas se preocupem com um eventual enfeite em suas testas. São coisas básicas mas que estão em falta. Essas Marietas, são muitas e talvez, se tornem a maioria da classe feminina, muito em breve.
ResponderExcluirMuito bom... A busca da perfeição de fato resulta em uma caminhada solitária. Mas concordo que não devemos estar com alguém que não nos faça bem, felizes ou que esteja aquém do que nos satisfaz.
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