quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Como fica o coração?

Cena improvável: diante da prisão de um adolescente, há pouco egresso de uma penitenciária do interior, o repórter dirige-se à mãe do rapaz e, meio sussurrando, pergunta: "- E como fica o coração de mãe?". Ela, olhos brilhando, responde: "- Bem melhor. Agora vou pra balada, vou colocar megahair e vou ser mais feliz!".

Sério, alguém consegue imaginar que isso possa acontecer? Ou que a resposta real seja pouco diferente de "- Destruído, sem forças, sem razão de existir"?. Eu não. E é por isso que, dia após dia, nesses quase três anos de jornalista formado, corro de perguntas clichês, feitas para arrancar lágrimas da fonte.

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Em março de 2010, mamãe morreu. Recebi a notícia pela manhã, por telefone. Horas depois, eu já estava em Colatina, perto da família. E, lá pelas tantas, uma prima, daquelas que a gente não escolhe ter (e nem gosta) perguntou-me: "- E aí, Dudu, tudo bem?". Fugi da obviedade. Disparei: "- Ótimo, nunca estive tão feliz". Fui chamado de grosso.

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Cá para nós: por que as pessoas, sejam elas jornalistas ou não, fazem perguntas tão cretinas? Não é possível conceber que alguma mãe, diante da filha morta, vá dizer que o coração está aliviado. Ou que uma esposa, ao ver o marido estirado no asfalto, atropelado por um caminhão, vá abraçar outro homem e, ali, dizer que está livre para viver um novo amor.

Já cobri essas situações. De velório a enterro (vários, pelos mais diversos motivos), passando por reconhecimento de corpo. Faltam-me palavras. As perguntas somem. Claro, "como fica o coração?" é a primeira tentação que vem à mente. Seguida de "como ficará a vida, a partir de agora?". Já são fórmulas prontas, infalíveis. Para TV e rádio, então, um gemido de dor, um suspiro dolorido no fim da frase conferem um "plus" ao material - há quem diga que humaniza. Acho o contrário.

Já me imaginei velando alguém que amo, e a última coisa que gostaria de fazer é falar, ter discernimento. A minha tristeza é silenciosa, o sofrimento é contido. Os entrevistados merecem - e devem - viver suas angústias sem importúnios. É por isso que em serviço só consigo dizer às famílias enlutadas "sinto muito", "que Deus te ajude" ou, no máximo, perguntar a alguém próximo, a um amigo, se há palavras para traduzir o que sentem.

Às dores humanas, o respeito. Ao coração, sossego. À consciência, após um dia de serviço, matérias pesadas e histórias relatadas, a tranquilidade. Jornalista não precisa ser açougueiro.

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