O que estamos fazendo de nós? Mudos, estáticos, incomunicáveis. Falamos com a secretária, com os clientes, com as fontes, com os amigos de boteco. Falamos com todos: da ascensorista ao governador. Mas não conversamos com nossa consciência. Não falamos com nosso íntimo e secreto.
De que adianta retratar histórias, escrever o que os outros pensam, expor as preferências alheias se, em igual intensidade, nos trancamos em pudores? Se é preciso esconder de quem gosta, que ideologia segue, que artista/político/celebridade admira ou odeia. De que valem tantas canções bonitas tocando na vitrola se, por dentro, há mudez em larga escala?
Beira o ridículo nossa necessidade de agradar aos outros, desagradando a nossos próprios sentidos. Não gosto de jiló, mas minha mãe adora. Não gosto de samba, mas minha namorada quer requebrar. Prefiro piscina à praia, mas por que não agradar minha colega que está em busca de sol e água salgada? Creio que, como tudo, o exagero em ser simpático, agradável e acessível a todo tempo surte um efeito devastador se alguém deixa de agradar ao único expectador que nunca se afasta da plateia da alma: a si mesmo.
Muito trabalho, pouco lazer. Muito fast-food, pouco sabor. Corpos à vista em microvestidos que encobrem corações com frio. Braços torneados e fortes em homens que por dentro temem um sincero não. Está tudo fora do lugar! Desculpem, isso é um desabafo. Uma alma em busca de seu corpo. Um corpo em busca de seu lugar no mundo.
Ninguém vai bater à minha porta e dizer: "- Oi, cheguei, sou a pessoa certa para você". É lindo imaginar a cena, mas ela não acontecerá por um simples motivo: a pessoa certa não existe. Por mais sentimental que eu seja, por mais que torça pelos pares românticos nas novelas, sei bem que, na vida real, ninguém acorda penteado, bem disposto e sem remelas após uma noite avassaladora de amor.
Mas, "- Eduardo, como é que a pessoa certa não existe se existem casamentos longevos, gente que comemora bodas de ouro com olhos brilhantes e voz embargada ao recordar as cinco décadas vividas em cumplicidade?", questionarão. Simples: as pessoas se adaptam umas às outras; aceitam manias, implicâncias, dias de mal humor e poucas palavras.
Não dá pra esperar, minha cara leitora, que o príncipe encantado chegue de terno, gravata, perfume gostoso e sorriso branco para apanhá-la pela cintura e oferecer uma aliança de ouro. Isso pode até acontecer, mas até que esse príncipe ponha o traje, será preciso que você passe de donzela a gata borralheira, aturando (e compreendendo) o cabelo malcuidado dele, a unha torta, a tampa do vaso sanitário aberta e o tubo de pasta de dente esquecido na pia.
Você, nobre leitor, que sonha com a garota descolada, compreensiva, que vai incentivar-lhe a ir às partidas de futebol, que vai preparar-lhe bacias de pipoca e manter a cerveja gelada quando a sala de estar virar arquibancada para você e seus amigos assistirem Fla-Flu, desista! Ela não existe. É melhor contentar-se com a ciumenta, melosa, temperamental e controladora (e também com a mãe, tias e primas pentelhas que ela traz a tiracolo).
Certo, na vida das emoções e conquistas, só um fato: ninguém quer ficar sozinho. Diz o ditado que "sempre há um sapato velho para um pé cansado". Então, povo meu, hora de caminhar, ainda que haja bolhas nos pés! Ficar à espera do "toc, toc toc" na porta não vai dar certo. Compreenda: quem vai te encantar não agendou esse compromisso e nem tem obrigação de saber de cor toda a quimérica lista que você formulou para escolher a pessoa perfeita. Ame os defeitos se quiser preservar as virtudes.
Me peguei pensando, assim como quem nada quer, o quanto é difícil, para todos nós, perder. Sobretudo quando o "perder" envolve sentimentos e rupturas, afinal, não conheço nenhuma pessoa que tenha despedido-se de alguém que amava sem enlutar. Dizer adeus, o adeus definitivo, dói profundamente. E mesmo tendo a morte como única certeza da vida (por mais paradoxal que seja), não há como passar por ela sem ver as cores do mundo transformadas em cinza.
A última semana, para mim, foi de muita reflexão sobre essa tal de morte. Completaram-se dois anos da partida de minha mãe. Não houve um adeus, uma carta, uma ligação sequer para que pudéssemos ao menos dizer uma palavra. Não houve doença nem sofrimento prolongado para que me preparasse para isso. Mamãe simplesmente se foi. Essa dor torna-se ainda maior ao lembrar-me de que a despedida (sem despedida) deu-se um dia após o aniversário dela. E naquele aniversário em que mamãe completou seus 54 anos, eu não telefonei para ela. Estávamos brigados.
Pensando em tudo isso, fui à igreja e rezei. Rezei pela mamãe, onde quer que esteja, e pela minha família. Pedi pelos meus amigos - os quais tantas vezes aqui já afirmei, sinto como partes de mim. E, céus, como é difícil aceitar que, mais dia menos dia, todos nos despediremos. Pouco passou e veio a notícia de que um grande amigo perdera o avô, no último sábado. Doeu como se fôssemos parentes. Calei-me num momentâneo luto por um avô que nem era meu, e pela tristeza de uma família que gosto como se dela fizesse parte.
A morte é algo tão forte e impactante que, confesso, não sei nem escrever sobre ela. Senti vontade de vir aqui, nesse cantinho em que eu sou só o Eduardo, sem o profissional Fachetti clamando por coerência, para por pra fora, em forma de letras, esse medo que me arrebata de perder quem gosto. Não consigo imaginar-me sem uma de minhas tias, tampouco sem a possibilidade de abraçar uma das primas que tanto amo. Perdoe-me, Deus, se peco, mas prefiro ir antes dos meus amigos a ter que despedir-me deles.
O avançar da idade de vovó Santa, já com seus 82 anos, me assusta. Tantas vezes já perdi o sono pensando no "amanhã". O que será de mim? Quem serei eu? Fico me questionando se vale tanto a pena trabalhar, trabalhar, trabalhar, na incerteza do que virá futuramente. Reconhecimento? Dinheiro? Prêmios? Quero, quero muito. Mas quero também a vida. Quero os dias com quem que amo. Quero tê-los por perto ou ao alcance do telefone, nem que seja para dizer um breve "estou com saudade".
Por mais que eu esteja falando de mim, algo me faz crer que você, aí do outro lado da tela, em algum momento também já se questionou e já sentiu o coração diminuir no peito ao imaginar-se sem os "seus". É fato: perder não é fácil. E antes que as coisas me escapem das mãos, antes que os dias passem e eu já não tenha a possibilidade de viver com quem amo, é preciso cuidar. Cuidar para que eu não me perca, nem perca um dia sequer sem explicitar meus sentimentos. Porque depois do adeus, só resta saudade e uma dúzia de frases guardadas no baú das lembranças que nunca foram realidade.
Sou noveleiro nato, nunca neguei. Uma das primeiras cenas que recordo, da infância, é da novela "Que Rei Sou Eu?", sucesso da década de 80. Pois bem, agora há pouco, findou na TV Globo "A Vida da Gente", trama das 18 horas que mostrou, com sensibilidade e leveza, as reviravoltas na vida de suas protagonistas. Sem apelar para vilões pérfidos, mortes em série ou humor pastelão, a novela agradou. Não acompanhei-a como gostaria, é verdade. Às 18 horas, em geral, estou entretido em entrevistas e fechamento de matérias e pouco ou nenhum tempo tenho para prestar atenção à televisão. Mas "A Vida da Gente", mesmo à distância, me prendeu com seu contexto simples, que resumidamente é o seguinte: as histórias de todas as pessoas têm altos e baixos. Ninguém está certo 100% do tempo, tampouco erra a vida inteira. Convivemos com dúvidas e escolhas o tempo todo. E entre erros, acertos, encontros e desencontros, faz-se a vida.Mas, não, não abri o blog para falar de novela (embora possa comentar centenas delas, algumas com riqueza de detalhes e impressões). Quero falar de gente. De gente que passa pelas nossas vidas ora na correria, ora no atropelo; histórias que se cruzam às nossas por um dia, dois... e muitas que acabam se juntando àquilo que somos e ficam para sempre.Por exemplo: certa vez, ouvi de uma garota: "-Nossa história não terminou". E não se tratava de alguém que eu tinha em alta estima. Nem mesmo era alguém que fazia parte da minha vida. Foi, tão somente, uma pessoa com quem troquei dois ou três beijos, numa festa que já se foi há, sei lá, oito ou nove anos. Mas, sim, aquela história (para mim) terminou ali - muito embora quando eu veja fotos dessa garota em alguma rede social, acabo soltando um risinho de canto de boca, com um "quê" de molecagem guardada daqueles tempos...Há, ainda, gente que eu conheci faz certo tempo, não dei importância e, numa dessas reviravoltas do destino, reapareceu para me arrebatar. Como é que, lá atrás, eu não notei aqueles olhos, aquela boca? Como, distraído, não dei importância às palavras de carinho a mim destinadas e deixei-as ir embora? Coisas que só lá na frente saberei (talvez) entender; agora só me cabe pensar e repensar no que não fiz, no primeiro ato, e o que quero que aconteça.
Creio, de forma modesta, que você, leitor, também tem suas histórias guardadas. Nem que seja da garotinha da escola de 1º grau que tinha o perfume mais cheiroso e encantador da turma ou, quem sabe, daquele beijo roubado na aula de Ciências, quando o professor foi atender à pedagoga no corredor. Na sua história - aposto! - tem espaço para o rancor guardado pelo amigo que beijou a garota que você gostava na adolescência e também para a lembrança envergonhada do dia em que seus amigos de faculdade tiveram que te carregar, embriagado, do bar.
A vida da gente é um turbilhão de sensações. Um sobe-e-desce de longo trajeto, uma sucessão de atos e omissões que nos definem. Como bem escreveu Lícia Manzo, a autora da recém-terminada novela das 18 horas, "tudo na vida muda (...). A única coisa que não muda é o tempo, que segue sempre adiante". Assim é. Não sabemos hoje o que será de nós amanhã. Não podemos desmanchar o que fizemos ontem. Resta-nos, portanto, ir andando com as pedras no sapato, com os calos doídos, com a cara dada ao vento para continuar em frente.