quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

As coisas que eu não fiz

Ontem, na redação de A GAZETA, recebemos a visita do colega Vitor Vogas. Jornalista dos melhores, dono de uma perspicácia ímpar com as letras, ele resolveu viver um ano sabático pela Europa e, agora, está prestes a ingressar em novo desafio na América do Sul. Contava-nos das viagens, das peculiaridades dos europeus.

E eis que, desde então, reascendeu em mim aquela estranha saudade do que não fiz. Não, não se trata de inveja, nem de vontade de ter feito as coisas que Vitor fez. É algo mais antigo - e não sei se só eu sou assim!. Tenho saudade, certo apego até, de épocas e situações que não vivi. Muitas delas, inclusive, porque nem nascido eu era.

Por exemplo: há dias em que sinto "saudade" de sentar com minha bisavó e rir com ela. Contam-me minhas tias e as primas mais velhas, que a bisa era uma mulher de fato à frente de seu tempo. Numa época em que mulheres eram cheias de pudores e dogmas, a "vovó Mirinda" fumava, falava alguns palavrões e não temia soltar gargalhadas altas. Às vezes até brigava com o biso, que era mais calado, reservado. Acontece que a bisa morreu em 1984, e eu só vim ao mundo um ano depois. Perdi a chance de conhecê-la.

Queria, também, ter ido à praia com meu pai. Sinto saudade das vezes que não andei sobre os ombros dele, das histórias que ele nunca me contou antes de dormir. Não me aconselhei com ele nas vezes em que tive medo de alguns desafios. Tampouco foi a ele que recorri quando tive minhas primeiras dúvidas amorosas. Engraçado que apesar de nada disso ter acontecido, às vezes paro e sinto como se tivessem ocorrido... e queria voltar no tempo e reviver essas sensações.

Ah, posso ser um jovem-velho saudosista. Mas e a viagem ao Japão? Na infância, queria conhecer o Jaspion e o Jiraya. Vovó me incentivava a escrever para a "Porta da Esperança". Dizia ela: "- O Silvio Santos atende a todos os pedidos. Você é esperto, ele vai gostar de você". Quantas vezes sonhei com a porta do programa dominical se abrindo e, de lá, ver surgir meus super-heróis...

Nunca fiz um gol de bicicleta. Não subi em árvores altas. Não pulei muro. Não matei passarinhos com estilingue. Não desci ladeiras em carrinhos de rolimã. Não "li" revista Playboy escondido. Não enchi a cara antes dos 18 anos para fazer meus pais sentirem vergonha. Não quebrei o braço nem uma vez sequer - e, por isso, nunca tive um gesso todo assinado pelos amigos, com aqueles desenhos engraçados.

Ah, eu não fiz tantas coisas... não rodei a Europa, jamais cruzei as fronteiras do Brasil. Nem às pescarias no Pantanal, programa tradicional que os primos faziam ao lado do meu tio Luiz, eu fui. E, querem saber? Talvez isso seja bom. Porque não tendo vivido o que tanta gente viveu, continuo me encantando toda vez que paro para ouvir alguém contar de suas aventuras. Continuo escrevendo histórias, para que alguém, daqui a alguns anos, possa sentir saudade da época em que eu vivo (e das coisas que eu já fiz).

4 comentários:

  1. Muito bom este texto, nos faz pensar tb nas coisas que não fizemos e nas que ainda podemos fazere não se sentir saudosa por não ter feito. Adorei

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  2. Que legal descobrir um bom cronista! Ainda mais se for alguém que a gente já conhece há anos! Desculpe-me a falha de só ter 'descoberto' seu blog agora, graças ao FB, mas aceite meus PARABÉNS! Sucesso! Beijocas da Rachel Silva

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  3. Na infância também depositei todas as minhas esperanças no Silvio Santos! rs Pedi minha mãe para escrever uma carta pedindo a coleção da Barbie. Nem sei se algum dia ela enviou essa carta. Só sei que em toda a minha vida, tive apenas uma Barbie. E que aprendi a cuidar muito bem dela. Dar valor. Afinal, eu não tinha uma coleção inteira.

    Muito bom o seu texto Fachetti! Compartilho com você um pouco desse sentimento estranho.

    Tatiana Arruda

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