segunda-feira, 16 de maio de 2011

A casa da minha infância

Minha infância mora em um sobrado grande, de janelas marrons, portão amarelo, paredes pintadas a cal branco, já descascadas. Esse sobrado é cercado de um imenso quintal, onde há dálias, graxas, antúlios e árvores pequenas, intercaladas às hortinhas, onde estão plantados pés de couve, coentro, salsa e babosa. Minha infância mora na Rua Wagner, número 228, em Laranjeiras.

Foi neste sobrado enorme, com garagem de piso em cimento grosso e paredes pintadas de rosa bebê, que passei os primeiros anos da minha vida. As lembranças dos primeiros beijos - na vizinha Karol - remetem à minha casa. Posso sentir o cheiro da terra molhada nas tardes de chuva. Chuva danada, que entrava pelas frestas das janelas e exigiam que os móveis fossem afastados.


Na minha infância, SBT não se via bem na televisão. Mesmo assim, todo domingo estava eu lá, cantarolando "Lá vem a Flor lará lará lará..." no Show de Calouros do Sílvio Santos. Não me esqueço: "Flor, a mulher que não usa calcinha!". Sabia eu lá o que era isso? Não. Mas simpatizava com a jurada. No rádio, lá no início dos anos 90, Daniela Mercury estourava com seu "Canto da Cidade", e eu ouvia a baiana cantar em um rádio grande, quadrado, posto na varanda.

Ah, a varanda da minha casa... ali eu construía meu mundo. De vez em quando, meus desenhos (verdadeiras obras surrealistas) eram pregados, com fita crepe, e decoravam todo o espaço. Tinha uma mesinha feita pelo meu bisavô, especialmente para mim, onde eu aprendi a riscar as primeiras letras, a redigir os primeiros textos. Eram chamados de "ditadinhos" na escola - e desde muito pequeno eu queria ser o melhor, para ganhar a estrelinha da professora!

Na rua da minha casa, havia vizinhos de longa data. Na Copa do Mundo de 94, interditávamos o trecho e íamos todos para a rua, assistir às partidas da seleção de Dunga, Romário e Bebeto. Cada um levava um quitute, como numa verdadeira festa americana. Vovó Santa fazia bacias e mais bacias de pipoca doce. Eu me lambuzava!
A casa da minha infância tinha um banheiro pequeno, de piso vermelho e cerâmicas brancas. Tinha um espelhinho em frente ao lavatório e um nostálgico bidê (alguém lembra disso?).

Certa vez, um espírito zombeteiro se apossou de mim e resolvi riscar todas as paredes cor-de-rosa. Não eram riscos aleatórios: saí escrevendo palavrões pelas paredes. E não era um palavrão qualquer; era aquele pequenininho, de apenas duas letras! Coisa inimaginável para um menino de só sete, oito anos. Fui obrigado a limpar tudo com uma esponja, horas depois.

A casa da minha infância é minha referência de felicidade e segurança. Até hoje, passados mais de 15 anos que nos mudamos de lá, todas as vezes que sonho que estou "voltando para casa", é lá que eu chego. E nos sonhos, estamos lá, felizes: eu, vovó Santa e mamãe. Todas as noites em que meu sobrado surge nos sonhos, estou pintando as paredes ou arrumando os móveis. Mas é aquela casa. Aquela lembrança gostosa. O sentimento reconfortante de estar seguro no meu mundo. Como se eu ainda fosse criança!

2 comentários:

  1. Em qual parte da vida perdemos o caminho de volta para casa? =[

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  2. Choreeeeeeeei, choreeeeeeeeeeei.... Saudade mexe TANTO comigo... mesmo as que não são minhas! Parece que vi cada cômodo e cada dia que vc descreveu, mesmo sem lembrar desse sobrado gostoso com TANTA nitidez quanto vc! Adorei!

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