
Enquanto o ônibus chacoalha, Martha de Lourdes se sacode. Gorda, seios fartos, ela decidiu sair de casa, antes das 5h30 da manhã, com uma pregadeira de margarida no cabelo crespo e grisalho. Quase 12 horas depois, lá está ela. A blusa de helanca verde denuncia as marcas de suor nos vincos da pele branca e cheia de sardas. Apesar de ser apenas segunda-feira, a diarista já aparenta cansaço, do alto dos seus 47 anos. Fala estridente e alto com o cobrador do ônibus. Pede que ele lhe devolva dez centavos de troco. "- É po chicrete da minha filha Ludimylla Karollynne", argumenta, em vão.
A duas cadeiras de Martha, Vinícius chora com a cabeça encostada na janela de vidro. A cidade passa veloz do outro lado, mas os pensamentos do rapaz estão estacionados em Leonardo. Após dois dias de namoro firme, o adolescente negro que quase se desmancha em lágrimas foi surpreendido pela ruptura de um amor que julgava eterno. Leonardo admitiu que, nas últimas 48 horas, só pensara em sexo fácil, mas que diante do romantismo do parceiro, iria atrás de "carne nova". Sozinho e abandonado, Vinícius cogita beber água rais tão logo chegue em casa - e seu ponto está próximo.
Uma curva acentuada na periferia faz o iPod de Milena cair no assoalho do ônibus. Ruiva, olhos expressivos e fortemente marcados por lápis preto, a auxiliar de escritório acabara de ganhar um aumento de salário. Às custas de uma noite com o chefe, é bem verdade, mas seguia para casa com o olhar confiante e a autoestima nas alturas. Com o primeiro salário reajustado já vislumbrava novos sapatos e uma boa compra no supermercado para ajudar nas despesas de casa. Antes da curva que lhe custou o iPod, Carol escutava Avril Lavigne e, como a canadense, queria descer da condução mandando um "What the Hell" para meio mundo. Principalmente para o chefe, "- aquele velho asqueroso e impotente".

O lotação se traduz em ritmos tocados por celulares; são músicas gospel, "proibidões" baixados da internet, hinos de times que denunciam fanáticos torcedores ou animados forrós embalados por malícia. No encoxa-encoxa do coletivo o povo fica mais quente - seja pela total falta de espaço, seja pelo calor do motor exigido à última marcha. Não se engane: um ônibus lotado é a mais exata medição da cara do país.
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