sábado, 23 de abril de 2011

Teoria do Leque

Após uma decepção amorosa com direito a choro, rancor e resignação, Felipe fechou-se para o mundo. Nada de sorrisos, nada de música, não queria saber de festa. As cores neutras pareciam cair-lhe melhor no profundo luto pessoal em que havia mergulhado. De onde surgiram as juras de amor? Por que haviam lhe prometido um mundo, quando na verdade, só queriam deixá-lo no vazio? Seria ele novamente capaz de acreditar em alguém? Nunca encontrou respostas.

Sem amor, investia em si. Fez do umbigo a órbita e, nesse curto trajeto, eliminou possibilidades de sofrer. Isso significava, na prática, não arriscar seus sentimentos com novas tentativas de amar. Colecionava domingos em casa, beijos não dados e intenções rechaçadas. No mesmo ritmo, acumulava livros, apostilas, cursos e séries de TV assistidas à exaustão - tentativas de preencher seu mundo solitário e distante.

Certo dia Felipe enxergou, por entre as pilhas de processos penais sobre sua mesa de trabalho, a jovem Daniella. Como ele, uma aprendiz da vida, com dores, calos e incompreensões. Tinham no currículo uma lista de amores não-correspondidos e lágrimas derramadas. Há anos dividiam o mesmo ambiente de trabalho, mas não se conheciam.

Como Felipe, Dani
ella havia passado por uma decepção amorosa. Diferente dele, não queria desacreditar da vida e das pessoas - "não adianta se trancar em casa, porque ninguém vai bater à sua porta dizendo 'oi, sou a pessoa certa para você'", repetia ela, exaustivamente, entre um cigarro e outro (vício que carregava desde a adolescência), determinada a tirar o amigo do luto que mais parecia uma pesada concha onde se escondia.

Foi assim que Felipe foi apresentado à "Teoria do Leque", como apelidara. Segundo ela, a partir do momento em que o sujeito abre a porta para uma nova pessoa se aproximar, não está garantido que aquela será "a" pessoa. Mas, pouco a pouco, a casa vai se enchendo, novos convidados se aproximando, e numa dessas festas da vida (afinal, a existência precisa ser celebrada!) fatalmente vai esbarrar em alguém que mudará seu destino.

O "leque", segundo Daniella contava, só se abriria a partir do momento em que Felipe entendesse que, como o sucesso profissional, o êxito no amor só vem após certo esforço. Após tantos anos de luto, ele decidiu que era hora de tentar. Nada teria a perder.

Tomado de coragem, o rapaz trocou a pálida cor de anos dentro do escritório de advocacia pela vermelhidão da pele exposta ao sol do meio-dia (passou a usar a hora do almoço para apreciar o mar). As camisas de botão, antes pretas, cinzas, beges ou azuis-marinho, foram substituídas por polos das mais diferentes cores. Investiu num novo corte de cabelo, passou a sorrir com mais frequência. Comprou um tênis de corrida e uma raquete de frescobol. Estava decidido a se libertar do humor ranzinza do mal-amor cultivado.

No segundo mês de prática da tal teoria, Felipe estava visivelmente mais saudável. Não era difícil vê-lo assoviar pelas escadas ou abrir a porta do elevador para outros moradores. As visitas dos colegas de trabalho se tornavam mais frequentes a cada semana. Daniella, por sua vez, também parecia satisfeita. Liberta de velhos fantasmas (ou talvez menos apegada a eles), se abriu a novas experiências, como provar comidas orientais e caminhar pela orla fluminense após o expediente. Aproveitou e deixou o cigarro.

E por aí estão eles, Felipe e Daniella. Não sei dizer se o tal leque se abriu, se a vida dos dois se tornou uma grande festa - com direito a convidados, garçons e olhares trocados no apagar das luzes. Mas é preciso admitir; com leque ou sem leque, a vida merece ser celebrada e as velhas desilusões, esquecidas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário