sexta-feira, 17 de junho de 2011

Cães famintos

Um cachorro lambia o asfalto, no meio da rua, numa manhã fria de outono. O vento era gelado, às vezes assoviava, e o pouco movimento denunciava que a vizinhança dormia. Um carro veio veloz - era um Chevette, ou um Monza; tanto faz - e, mesmo com o rupido rouco da buzina, o cão não se moveu. Manteve a avidez da língua sobre o asfalto, sorvendo restos de algum líquido leitoso derramado ali. Tinha fome. Quem sabe, frio.

Aquele pobre vira-latas muito provavelmente não tem nome, não tem dono, não tem vez. Um pote de ração lhe serviria como banquete. Água, só conhecia das poças à beira do caminho, após as chuvas torrenciais que inundavam a ilha vez ou outra. Lhe fora negado, desde a ninhada, o direito a ter irmãos, afinal, deles nem se lembrava.

Um cachorro. O asfalto. Sede e fome onde só há concreto, vento frio e transeuntes que não o veem. Este pobre canino pode ser eu. Pode ser centenas de Joões, Joanas, Mários e Marianas que estão por aí, perambulando pela cidade, com fome e sede. Fome de comida, fome de amor. Sede de atenção, de cuidado, do mínimo de dignidade.

Cachorros, aos montes, nas ruas. Sem coleiras, sem casinha para dormir. A eles, somente restos do que ficou na estrada, mesmo que não tenha sabor. Um fio de esperança, lambidas sobre o que um dia pode ter sido saboroso. Pessoas e cães ensurdecidos pelas roucas buzinas nas avenidas e pelos gritos impiedosos de quem está sempre com pressa para o trabalho, sem tempo de olhar quem está ao lado. Mesmo que seja apenas um animal.

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