Falo, mais uma vez, da minha mãe. Mas hoje sinto uma coisa diferente, e não quero falar dela como minha mãe. Quero falar da Eliana pessoa, da "Naninha" da família. Cheia de ataques, de nuances, de mistérios. Dona de uma gargalhada rasgada e de um silêncio ensurdecedor - dois antônimos que a tornavam figura ímpar em meio à multidão.
Naninha era dessas pessoas pouco comuns. A ela, não bastava o óbvio, o simples. Tudo tinha motivo, e muitos desses motivos provavelmente nunca existiram. Ela os criava. Vinham de sua mentalidade ligeira as brigas homéricas que travava com os outros (e consigo própria). Batalhas inglórias, por tantas vezes sem um rival aparente. A vida virava um front, e nele, com unhas e dentes, ela se dedicava.
Com a Naninha, aprendi que cantar liberta aquele nó na garganta que fica após um sapo ser engolido. A música espanta a solidão, mas também aproxima sentimentos nem sempre gostosos. Explico: quem não sente a angústia de Fafá de Belém em "A volta", numa canção que narra - com Roberto Carlos - as desventuras de um amor bandido e mal revolvido? E a voz de Luís Miguel, em "La Barca", com seu casteliano arrastado, que põe o ouvinte em transe, num navio de partida? Melodias que embalaram minha infância.
A profunda vontade de acreditar que "tudo vai dar certo" veio dela. E sei, hoje, que ela nunca acreditou que esse certo realmente existiria. Vinha de dentro do coração dela essa eterna contradição, esse buscar-luz-no-fim-do-túnel mesmo - veja só! - quando não havia túnel algum a ser percorrido. Naninha nunca suportou o que era fácil demais.
Naninha não suportava a mediocridade. Condenada a bondade em demasia. Dizia rasgado o que pensava, mesmo sabendo que aquilo poderia lhe custar alguns dias de discussões com gente querida. Naninha sabia bradar aos quatro ventos sua alegria e, quando lhe parecia interessante, sabia se apresentar como a pessoa singular e extraordinária que era. Mas isso, sempre sob a luz da simplicidade.
Por fim, a busca pela iluminação. Os livros de Osho, a meditação. Alguns versículos bíblicos, mas não muitos. Nem mesmo o catolicismo ou o excesso de religiosidade lhe pareciam coisas boas. Naninha era ela mesma, e pronto. Quando havia alegria, era o próprio carnaval encarnado. Quando em sua alma surgia alguma nuvem cinza, era melhor que o mundo se preparasse, porque ela sabia fazer uma grande tempestade.
Entre altos e baixos, risos e lágrimas, declarações de amor e ódio, pude ser testemunha, por 24 anos e nove meses, de todas as facetas que um ser humano - de carne e osso, razão e emoção - sabe ser. É... eu vim desse turbilhão de emoções, e talvez isso sirva para que, daqui a alguns anos, eu possa me entender (e, quem sabe, me fazer entender). É... Naninha faz falta.
Naninha faz MUITA falta... Falta que dói! Toda essa singularidade virava plural nos verbos, adjetivos ou substantivos que ela fazia acontecer. Tia Nana - rara, inesquecível e acima de tudo AMADA - como vc me faz falta... como eu queria mais UM DIA com você...
ResponderExcluirOntem mesmo estava ouvindo uma música que me faz lembrar dela!!! Quanta saudade...
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