sábado, 23 de abril de 2011

Confessionário

Todo mundo tem seus pequenos pecados. Fato. Por mais cândida e pura que seja a alma da pessoa, no fundo do baú da memória ela já terá tido inveja de uma coleguinha de sala. Talvez porque a rival era mais bonita, mais alta, mais rica. Mas, nos primórdios da infância, certamente pecou por ter desejado algo que não tinha (o meu pecado, nessa época, era invejar as borrachas com cheiro de tutti-frutti, que eram lançamento em 1992).

Pouca gente leva ao confessionário, mas tenho sérias desconfianças de que todo mundo, num dia de má Lua, quis o atropelamento daquela vizinha que escuta sertanejo todo domingo de manhã, com o rádio chiando no último volume. Ou que tenha desejado pela surdez do filho chorão e pirracento da prima do interior. Conheço gente até que, tamanha escuridão na alma, quis ver a sogra tetraplégica, muda, mumificada. Mas esse já foge da série dos "pequenos pecados", convenhamos.

Há os que comem compulsivamente, sem fome alguma. Aliás, esse grupo tem uma subcategoria interessante: os gatunos de docinhos e salgadinhos de festa (afinal, não basta comer, tem que ter um extra). Já ouvi falar, também, dos que choram miséria enquanto gastam todo o salário (e a cota do cheque especial) em lojas de grife, só para ter boas etiquetas no guarda-roupas abarrotado de peças. Não muito distante, certamente você já conheceu alguém que prefere ficar visitando colunas sociais on-line a atender o telefone do trabalho. É o mesmo sujeito que adora um livrinho de palavras-cruzadas para matar parte do expediente, enquanto os colegas se matam de trabalhar na mesa ao lado.

Nesse mundaréu de pecadores, já vi gente que adora pôr a função acima das relações interpessoais. São aqueles que mal recebem uma promoção e já assinam, em negrito nos e-mails, "fulano de tal, chefe de alguma coisa". Se você conhece um desses, duas dicas: 1) cuidado com sorrisinhos simpáticos demais, afagos ou elogios gratuitos. São falsos!; 2) lembre-se que tudo que sobe (e gaba-se) rápido demais, também cai fácil - às vezes derrubado pelo próprio orgulho.

Mas, voltando aos nossos pobres candidatos ao inferno, lembra daquele adolescente do seu condomínio, que vive com a aba do boné virada para trás, que anda balançando os braços e masca chicletes de boca aberta enquanto a bermuda denuncia metade da cueca Zorba? Ele pode até despertar a sua ira, ouriçar a sua irritação. Mas no fundo, no fundo, talvez seja só um pecador pueril, apegado às imagens, vídeos e pornochats que lhe despertam a recém-descoberta luxúria. Pensando bem, ele pode ser coisa bem pior... ultimamente, ando meio ressabiado com qualquer coisa! Mas disso vou falar em outra oportunidade.

ººº
Mas por que falar de pecado a esta altura do campeonato? Porque acabei de pecar. Trabalhei o dia inteiro, fui à praia caminhar, segui a dieta direitinho, com maçã verde no lanche e tudo mais. Mas não resisti à tentação: fui à cozinha, peguei uma barra de chocolate meio-amargo e me fartei. Em plena meia-noite da Sexta-Feira da Paixão. E aí, qual será minha penitência?

2 comentários:

  1. Liga não...se todo pecado fosse uma barrinha de chocolate escondido de si mesmo, tava tão bom...
    Mas só pra piorar um pouquinho: li outro dia que nossas irritações para com os "defeitos" alheios refletem muito aquilo que somos e que não queremos admitir. Essas pessoas irritantes são o nosso reflexo no espelho.
    Seguindo essa premissa, eu teria que aceitar que gosto de pagode, programa televisivo onde rola barraco, fofoca, Faustão, Galvão Bueno e Daniela Mercury. É o meu fim!

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  2. Confesso que que vc me enganou quanto ao contexo, mas o texto ficou muito interessante, inteligente.
    Filho... eu me irrito com tanta gente que é melhor ignorar, as vezes chego a ter certeza até que há algo de errado é comigo.
    "ótemo pensamento"

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